Na minha formação como psicóloga trabalhei na enfermaria de obstetrícia de um hospital universitário e presenciei muitas situações de prematuridade. Cada caso é um caso e tem suas dores e alegrias específicas. Apesar disso, notei que alguns pontos apareciam com frequência nos discursos dos pais e foi pensando neles que escrevi esta carta para, quem sabe, poder acalentar um pouco os corações dos que estiverem passando pelas mesmas situações.
Quando uma família se descobre grávida, quase que automaticamente surgem muitos pensamentos a respeito desse novo ser, que habita, não só o ventre, mas todo o imaginário familiar. Será menino ou menina? Vai parecer com o pai ou como a mãe? Tomara que puxe o seu nariz, o meu é muito feio. Onde faremos o quarto? De que cor vamos pintar? Deixaremos com os avós ou colocaremos numa creche? Gente, como fraldas são caras!!! Será que vamos dar conta de um bebê? Será que seremos bons pais?
Quando o bebê nasce, todas essas questões se tornam cada vez mais próximas, reais e a expectativa de ver esse serzinho se desenvolver só aumenta. Uma alegria, com um misto de desespero, toma conta dos corações de toda a família. Entretanto, uma em cada dez famílias não desfrutam desse momento da forma como esperavam.
Quando um bebê nasce prematuro, nasce com ele a desconstrução de um ideal de maternidade. As emoções se tornam muito mais confusas e intensas. O bebê sai do seu colo, mas não vai para um quartinho planejado, pois vai para uma encubadora onde até mesmo o ato de tocar se torna algo mais complicado. Nasce uma nova familiarização com o “ser pais”. Novas expectativas surgem, o medo do desconhecido ganha força e muitas vezes se instalam momentos de crise.
É comum para família apresentar as seguintes situações:
1- Culpa pela “incapacidade” de cuidar do bebê;
2- Culpa do recém nascido estar passando por essa situação;
3- Raiva por aquilo estar acontecendo com eles;
4- Ansiedade;
5- Medo da possibilidade de falecimento do filho;
6- Não reconhecimento daquele bebê como seu;
7- Nos pais: não se permitirem sofrer com o acontecimento para lidar com a dor da mãe. Seguram a dor pra si e não verbalizam com medo de não passar suporte para suas esposas e companheiras;
9- Nas mães: insegurança, também, em relação ao amor do parceiro por ela;
Como proceder diante dessas situações?
Não é culpa sua o que aconteceu. Mesmo que você não tenha feito o pré-natal, mesmo que você tenha tentado abortar ou usado substâncias químicas. Mesmo que você tenha estressado sua esposa, ou a deixado fazer tarefas domésticas pesadas, não ter pego no pé dela com alimentação e controle de pressão. Mesmo com todos esses poréns, a culpa de um parto prematuro não é sua. Sim, em alguns casos temos nossa parcela de responsabilidade, o que é bem diferente de culpa.
Quando enxergamos nossas ações temos o poder de aprender com elas e agir de forma a amenizar as consequências e arcar com o que veio junto. Não se destrua com isso, se empodere e aja de maneira a fazer diferente. Dê a si mesmo uma chance. Seu bebê não está te julgando. Ele só precisa de amor, cuidado e carinho. Ele só precisa sentir que, apesar de qualquer eventualidade, alguém está ali para ele.
Se for muito difícil para você se colocar presente, por qualquer que seja o sentimento, não tem problema: peça ajuda. Converse com o psicólogo responsável – os hospitais, mesmo os públicos, tendem a ter um psicólogo em setores de obstetrícia e UTI. Se ele ainda não tiver se apresentado, solicite sua presença – e conte seus medos e suas raivas. Eles não vão te julgar. Peça ajuda também a familiares queridos e amigos. Quanto aos cuidados ao bebê, nunca ache que você é impotente em relação a isso.
Os médicos e enfermeiros podem até ter maior controle da situação nesse momento, mas são os pais quem podem e fazem muito mais. Todo bebê precisa de colo, carinho e ouvir a voz da mãe e do pai, principalmente o prematuro. Pode não parecer, mas isso já é muito, pois ajuda a restabelecer uma conexão com o “conhecido” do bebê e com o desenvolvimento perto da sua linha típica. Os médicos cuidam das questões que envolvem a prematuridade, mas são os pais que enchem o de bebê de vida. São os pais que o ligam com o que há de saudável e isso tem um valor inestimável.
Não é errado ter raiva. Raiva pode ser também um sentimento positivo. Ela faz com que a gente mexa na nossa energia e nos dá a chance de canalizá-la para uma ação produtiva. Faça contato com a sua raiva, se permita, mas lembre que ela é um sentimento de passagem. Ela deve vir e ir, vir e ir como ondas no mar. Se não completar seu ciclo de ação, a raiva se torna prejudicial a você e ao seu bebê.
Ficar ansioso em relação a situação também é compreensível e esperado. Os pais não precisam parecer calmos e equilibrados para ninguém se não estiverem sentindo-se dessa forma. Honestidade em relação aos sentimentos ajuda a dar o espaço que eles realmente merecem em suas vidas. Manifestando sua ansiedade, alguém pode te ajudar a enxergar a situação de uma forma mais tranquila. Porém, fique atento: quadros de crises de ansiedade agudas podem surgir nessas vivências e um cuidado mais específico é necessário nessa situação.
Não podemos descartar que, em alguns casos, a possibilidade de o bebê não sobreviver é real. Entretanto, viver nessa ideia faz com que a dor seja maior. Cada dia deve ser vivido em sua plenitude. Não viva na ideia do que pode vir. Viva com o seu bebê um dia de cada vez e permita-se ser feliz por esses momentos. Viva o agora.
Escutamos o tempo todo pais falando o quão gratificante é poder olhar para aquele bebê. Quanto eles sentem-se completos por terem aquela criança e que no que dependesse deles não sairiam de perto das mesma em nenhum momento. Sim, esse sentimento é real, mas não acontece com todos os pais da mesma maneira. Se você não conseguir sentir identificação com aquele bebê, não pense mal de si mesmo. O processo foi interrompido para ele e para você também. O bebê sai abruptamente do ambiente no qual deveria estar, mas você também foi colocado em uma posição que ainda não estava muito solidificada. Foi afastado de um contato que poderia ajudar o vínculo ser feito e estruturado. Mas o bebê é de seu. Sempre foi e continua sendo. Não se esqueça de que a fantasia feita sobre o nascimento de um filho nasce da sua cabeça, assim como você já o sentiu como seu uma vez, você pode fantasiar uma nova posição de pai/mãe e um novo bebê novamente. Lembrem-se: a ajuda de um profissional é sempre bem vinda, e, para isso, solicite a presença do psicólogo.
Pai,
Muitas pessoas repetem que o parto é o momento da mãe, que a mulher precisa de todo o apoio, que relação mãe e bebê é algo muito especial e que você precisa ser suporte para ela. Isso não deixa de ser verdade, é um momento delicado sim. Seu apoio é fundamental para ela sim, mas porque vocês são um casal e não porque é uma exigência social. Assim como a mãe também deve ser sensível a você.
O parto é um momento em que a mulher pode estar mais ativa, mas é um momento dos dois. O nascimento de um filho é tanto do pai quanto da mãe. Assim como as dores e os anseios. Você pode se permitir chorar sim, ter medos e inseguranças. Para algumas parceiras pode até ser importante ver uma “bagunça” emocional nos maridos e companheiros, pois tira o peso delas em precisar, também, ser a mãe perfeita.
O cuidado nessa situação é o casal sempre falar com respeito à dor do outro. Fazer isso na frente dela é muito ou você não fica à vontade? Tudo bem. Busque um profissional da psicologia, seus amigos, seus pais ou um desconhecido, mas busque alguém. Não passe por isso sozinho. É um direito seu também sentir-se mal.
Mãe,
Ter medo do amor de seu marido é algo que pode sentir independente do bebê ou não. Imagino o quão apavorante deve ser pensar nisso em uma situação como a de uma internação de um recém-nascido. Porém, cabe ressaltar que, muitas vezes, a introspecção ou o afastamento do parceiro pode ser pelo sofrimento que o mesmo também vem enfrentando. Viva uma etapa de cada vez e evite fantasiar sobre as situações.
Não se esqueça que, apesar de falar-se muito da dor, a prematuridade não deve ser vivida somente em seu lado ruim. Cada momento tem sua beleza e deve ser vivido com a leveza que se puder ter. Um dia de cada vez para que uma vida possa ser construída. Não se ultrapasse, não viva pensando no futuro e não se esqueça, peça ajuda profissional, peça suporte! As emergências e UTIs tendem a ter suporte psicoterápico. Se o mesmo ainda não tiver se apresentado a você, solicite.
Boa sorte nessa jornada.
Um beijo a todos os pais e familiares.
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Juliana Pellegrino, Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010). É Gestalt-terapeuta pelo Centro de Gestalt-Terapia Sandra Salomão e Terapeuta Familiar Sistêmica Breve pelo Núcleo Pesquisas – Moisés Groisman. Trabalha como Psicoterauta individual de crianças, adolescente e adultos e também faz atendimento familiar e de casal. Trabalha atualmente com intervenção precoce em crianças com desvios no desenvolvimento, com o foco em crianças com possível risco autístico ou já diagnosticadas autistas. Também realiza Grupos Terapêuticos Infantis (enfoque na melhoria de habilidades sociais e estimulo de desenvolvimento) e Grupos Terapêuticos de Adultos (os temas variam de acordo com a demanda, por exemplo: Grupo de apoio à mães de crianças especiais).
Consultório: Largo do Machado, Rio de Janeiro – Brasil
Telefone para contato: (21)98320-4159