O câncer infantil é uma doença rara e corresponde a cerca de 2% a 3% de todos os tumores malignos. Ele apresenta-se de forma diferente dos adultos, geralmente sendo representado pelas leucemias, linfomas, osteossarcomas, sarcomas e outros tumores sólidos. Sua causa é desconhecida, mas alguns estudos genéticos apontam defeitos no DNA como principais causadores desses tipos de câncer.
O tratamento oncológico, principalmente do câncer infantil, vem evoluído muito nos últimos anos e isso tem contribuído para melhores prognósticos nas crianças, resultando na cura em cerca de 70% dos casos. No entanto, apesar de promissores, os tratamentos comumente geram efeitos colaterais desagradáveis que podem afetar todo o trato gastrointestinal.
Os pacientes oncológicos necessitam de acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, que inclui médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, pedagogos e dentistas. A união desses profissionais garante o bem estar e o completo desenvolvimento da criança durante o tratamento e impede que etapas importantes da infância sejam perdidas.
O acompanhamento odontológico deve ser iniciado logo que o diagnóstico é realizado e o tratamento é proposto. Antes de iniciar o tratamento oncológico é muito importante que o dentista avalie a boca da criança para se certificar de que não há nenhum possível foco de infecção que possa comprometer o curso do tratamento. Dentes cariados, dentes de leite com muita mobilidade, infecções secundárias como herpes e candidíase (sapinho) devem ser avaliados e tratados antes que se inicie o tratamento oncológico.
A quimioterapia é uma modalidade sistêmica de tratamento oncológico, ou seja, o medicamento percorre todas as partes do corpo e isso pode gerar efeitos colaterais diversos, dependendo do tipo de medicamento e a função que ele exerce. Sendo assim, alguns medicamentos aplicados em altas doses (principalmente os utilizados para o tratamento de osteossarcoma, um tipo de câncer ósseo) podem gerar um efeito colateral bastante desagradável, que afeta a boca, chamado mucosite.
MUCOSITE – CAUSA E TRATAMENTO
A mucosite causada pela quimioterapia é uma inflamação da mucosa que afeta principalmente as mucosas não queratinizadas, ou seja, bochechas, ventre e bordas da língua e partes internas dos lábios. Ela pode afetar também todo o trato gastrointestinal resultando em falta de apetite e diarreia. Na boca, a mucosite aparece como úlceras que parecem com aftas extensas e geram dor intensa, fazendo com que a criança não tenha vontade de comer e isso pode prejudicar o tratamento.
O tratamento da mucosite inclui procedimentos como bochechos com soluções específicas e pode ser necessário modificar a dieta para alimentos líquidos ou pastosos e, principalmente, com pouco sal e temperos. Alguns hospitais disponibilizam ainda o tratamento por laserterapia de baixa intensidade. Essa modalidade de tratamento pode ser realizada de forma curativa ou preventiva.
A forma curativa é aplicada quando as lesões ulceradas já estão na boca e esse procedimento ajuda a acelerar a cicatrização e ameniza a dor. A aplicação deve ser realizada apenas na região das lesões uma vez ao dia, diariamente, por um profissional dentista.
A forma preventiva deve ser iniciada em até 24 horas do início da infusão da quimioterapia e também deve ser aplicada diariamente, porém nesse caso é aplicado em diversos pontos em toda a mucosa da boca. Nessa situação a laserterapia age na regeneração celular e recuperação da mucosa, prevenindo a formação de úlceras. É importante salientar, no entanto, que a laserterapia preventiva não impede a formação de úlceras em 100% dos casos, mas estudos já mostram que mesmo que a mucosite se desenvolva, ela acontece de forma mais branda.
O tratamento preventivo da mucosite é muito importante, pois evita que a criança passe por desconfortos na alimentação e na fala durante o tratamento quimioterápico. Por isso, ao iniciar o tratamento com o oncologista, os pais devem requisitar a presença e o acompanhamento por um profissional dentista durante todo o tratamento.
DENTIÇÃO E CUIDADOS ODONTOLÓGICOS
Com relação à dentição da criança, cada caso deve ser discutido em conjunto com o dentista e o médico oncologista. Muitas vezes o dente de leite precisa ser extraído, mas isso não deve ser considerado um procedimento simples em todos os casos. Pacientes oncológicos atravessam muitas instabilidades, principalmente, em termos de reação imunológica e coagulação sanguínea. Além disso, crianças e adolescentes em uso de aparelho fixo devem passar por avaliação e em quase todos os casos a remoção do aparelho é recomendada, para diminuir as chances de desenvolvimento de mucosite.
Alguns procedimentos odontológicos podem ser realizados sem consequências e devem ser encorajados, como a profilaxia e a aplicação de flúor. No entanto, alguns outros procedimentos mais invasivos ou demorados devem ser discutidos com a equipe médica quanto ao melhor momento para serem realizados.
Outra importante questão que deve ser enfatizada é a higiene bucal do paciente oncológico. A atenção nessa fase de tratamento deve ser mantida e até redobrada. A falta de higiene da boca pode acumular bactérias que proliferam descontroladamente. Como os pacientes oncológicos geralmente são fragilizados imunologicamente, as defesas comuns contra essas bactérias podem ser prejudicadas e, assim, gerar infecções graves. Além disso, a falta de higiene bucal aumenta a inflamação da mucosa, favorecendo a formação da mucosite durante a quimioterapia.
O tratamento oncológico geralmente é longo e complexo e por isso exige atenção de muitos profissionais. Para um tratamento completo e sem maiores intercorrências, os pais devem estar atentos às alternativas oferecidas em todas as áreas e solicitar apoio ao oncologista para garantir um tratamento multidisciplinar de qualidade.
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Dra. Débora Lima Pereira, cirurgiã-dentista formada pela Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ-2011). Possui residência multiprofissional em Estomatologia com ênfase em Oncologia pelo AC Camargo Cancer Center e atualmente cursa o Mestrado em Estomatopatologia na Faculdade de Odontologia de Piracicaba/UNICAMP.
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