Mielomeningocele é uma patologia caracterizada por um defeito de fechamento dos arcos posteriores vertebrais com exposição da medula e raízes nervosas e variados graus de fraqueza muscular e paralisia dos músculos dos membros inferiores.
Na dependência do local da medula acometido, o número de grupos musculares com paralisia ou fraqueza, será maior ou menor.
A mielomeningocele pode ser classificada de acordo com o local da lesão medular em nível tóraco-lombar, lombar baixa ou sacral.
O exame físico ortopédico, determinando os grupos musculares funcionantes, é capaz de definir com clareza e precisão a classificação da criança em questão.
Crianças com mielomeningocele nível tóraco-lombar têm prognóstico reservado para a marcha independente, porém com o tratamento adequado, conseguem ficar em pé com aparelhos e podem ter locomoção apenas em pequenas distâncias, sempre com auxílio e, geralmente, dentro do domicílio. São cadeirantes para maiores distâncias.
Crianças com níveis lombar baixo e sacral, são aquelas com bom prognóstico para marcha independente para maiores distâncias, desde que tenham suas articulações bem alinhadas e com mobilidade preservada.
A filosofia do tratamento:
Independente do prognóstico de marcha existir ou não, os objetivos do tratamento são os mesmos para todos os níveis de mielomeningocele.
As deformidades articulares dos membros inferiores devem ser corrigidas, permitindo assim o bom alinhamento para que, mesmo aquelas que não têm prognóstico de marcha independente, possam ficar de pé com auxílio e troquem passos em ambientes domiciliares.
A posição em pé proporciona para a criança melhora na qualidade óssea, autoestima, melhora respiratória e na drenagem urinária.
Visando esses objetivos, o tratamento multidisciplinar deve ser iniciado precocemente.
Fisioterapia motora, uso de órteses nos membros inferiores e cirurgia ortopédica corretiva são os recursos existentes para a terapia da criança.
A preocupação com os quadris:
Algumas crianças com mielomeningocele apresentam quadris deslocados (luxados) e isso causa muita preocupação por parte de familiares, pediatras e fisioterapeutas.
Será que o quadril deslocado e fora do lugar não vai impedir a criança com mielomeningocele de ter marcha independente ou de ficar em pé?
O quadril luxado na mielomeningocele deve ter o tratamento igual ao da luxação congênita típica do quadril, ou seja, aquela que acomete crianças sem mielomeningocele?
Bebês com mielomeningocele e luxação do quadril devem usar o suspensório de pavlik para o tratamento?
Os conceitos modernos sobre o quadril na mielomeningocele:
O quadril é uma articulação em que a cabeça femoral articula-se com uma estrutura da bacia conhecida como acetábulo.
Para a articulação ser estável, é preciso que o formato ósseo seja normal e que os grupos musculares estejam funcionantes.
Na mielomeningocele, o formato ósseo articular é normal, porém os grupos musculares ao redor da articulação têm maior ou menor grau de paralisia tornando a estabilidade articular impossível de ser obtida.
Muitas crianças com mielomeningocele níveis tóraco-lombar ou lombar baixa, apresentam quadris instáveis ou mesmo luxados inveterados.
Sabemos hoje, pelos motivos citados acima, que os esforços para manter os quadris posicionados normalmente, nesses níveis citados, são ineficazes.
Portanto, o uso de suspensório de pavlik nas crianças com mielomeningocele niveis toracolombar ou lombar baixa está contra indicado, bem como cirurgia ortopédica com o objetivo de reposicionar a cabeça femoral dentro do acetábulo.
Qual o tratamento atual:
Sabemos que a capacidade de marcha independente na mielomeningocele não está relacionada ao quadril estar ou não no lugar.
O fator determinante para a marcha vem a ser o número de músculos funcionantes nos membros inferiores, principalmente se o músculo quadríceps (músculo do chute) tem força normal preservada.
Outro ponto fundamental para a capacidade de locomoção é que as articulações dos membros inferiores precisam estar bem alinhadas, ou seja, sem deformidades.
A criança precisa ter bom equilíbrio de cabeça e tronco e bons membros superiores que permitam utilização de muletas ou andador.
O que prejudica a marcha é a presença de deformidades articulares, ou seja, posições anômalas adotadas pelas articulações devido ao não funcionamento adequado muscular.
Portanto, o tratamento atual para os quadris na mielomeningocele deve ser direcionado para a correção das deformidades e não para o reposicionamento normal do quadril.
Quadril fora do lugar mas sem deformidade não deve ser tratado.
Quadril fora do lugar mas com deformidade, o tratamento deve ser só a correção da deformidade, permitindo o alinhamento da articulação.
Com isso concluímos que, na mielomeningocele, as cirurgias ortopédicas visam correção das deformidades do quadril e não colocar o quadril na sua posição normal.
O importante para a função é ter a articulação alinhada, móvel e não necessariamente reposicionada anatomicamente.
Para isso, existem cirurgias de liberações musculares e osteotomias.
Na mielomeningocele, o reposicionamento normal do quadril nunca tem indicação?
A indicação para cirurgia de reposicionamento normal do quadril só existe em raros casos de crianças com mielomeningocele nível sacral, com musculatura glútea funcionante.
Essa seria a única exceção onde o reposicionamento anatômico seria possível.
Conclusões:
Os quadris na mielomeningocele devem ser avaliados por especialista com exame físico e de imagem para que o melhor tratamento seja programado e realizado.
Seguindo esses conceitos, conseguimos alinhar a articulação preservar o movimento e permitir a melhor função e desempenho motor para a criança.
Um abraço a todos!
Dr. Maurício Rangel é formado em Medicina pela Faculdade Souza Marques (1994) e médico Ortopedista Pediátrico. Trabalha atualmente em consultórios com atendimento ambulatorial e cirurgias ortopédicas pediátricas eletivas. Especialista em diversas patologias musculoesqueléticas em crianças e adolescentes e cirurgias relacionadas.
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